Novo EP “Patroas 35% de Marília Mendonça e Maiara e Maraisa traz a sofrência da mulher madura e empoderada, que não mais implora a volta da pessoa amada
Quando você ouve a palavra “sofrência”, logo pensa em alguém se rasgando e chorando, provavelmente bebendo até cair ou até mesmo batendo na porta da pessoa, implorando para retomar o relacionamento. Afinal, viver longe de quem se ama é uma dor insuportável e, como o amor sempre tem que vencer a todo custo, vale apelar pra qualquer atitude impulsiva e exagerada pra ter seu amor de volta. Certo? De acordo com “Patroas 35%”, novo EP das Patroas Marília Mendonça e Maiara e Maraisa, errado!
O conceito desse novo trabalho colaborativo das sertanejas mostra que, se a dor é inevitável, a humilhação diante da pessoa amada é opcional. É possível relembrar o amor que acabou revisitando lugares e memórias dos momentos vividos a dois, sem que o outro tenha nas mãos a possibilidade de decidir a sua vida. Empoderadíssimas, as Patroas mostram que até na hora da sofrência têm o controle sobre o próprio destino. Ponto pra elas, ainda mais se considerarmos que se trata de cantoras com enorme peso no cenário sertanejo nacional e que têm outras mulheres como grande parte de seu público e que muitas vezes se espelham nelas.
Essa sofrência madura dá o tom, principalmente, para a ótima “Motel Afrodite”, primeiro single do EP, e que parece também uma evolução lógica e bem vinda resultante da maior experiência das cantoras enquanto artistas. As letras mais exageradas do início das carreiras de todas elas, quando se falava em choradeira em público na mesa de bar (como em “10%”, de Maiara e Maraisa) ou de um término de relacionamento que vira barraco no prédio (em “Alô, Porteiro”, de Marília Mendonça), foram gradativamente dando lugar a letras que refletem uma forma mais equilibrada de se lidar com as coisas do coração.
Musicalmente, “Motel Afrodite” tem todos os elementos para grudar na sua cabeça e te fazer cantarolar a música por dias. Esta colunista, grande admiradora de Marília Mendonça já há algum tempo, ouviu a música no dia do lançamento desde então tem acordado cantando. Sinal de que a composição é boa, o arranjo e a produção idem, e a fórmula do sucesso está prontinha pra fazer a canção estourar. Alguém duvida?
O segundo single do EP ,”Não Sei o Que Lá”, tem na estrofe seu trecho mais interessante. Eu confesso que ouvi cheia de expectativa de que as moças mandassem o cidadão pastar depois daquele áudio enorme que ele sempre envia quando bebe (vocês não morrem de preguiça de quem faz isso?). Mas aí veio aquele refrão meio trava língua e e me frustrou completamente. Poxa, moças, vocês começaram tão bem e nem precisaram entender o áudio inteiro pra sair correndo atrás do cara?
Sei que música é entretenimento e nem tudo precisa ser militância. Sei também que as três artistas (especialmente a Marília) já cantaram sobre as mais variadas e controversas situações possíveis na vida amorosa de uma mulher, mas eu criei na minha cabecinha de ouvinte uma historinha muito bacana de empoderamento feminino que “Não Sei o Que Lá” desmontou. Ah, sim, preciso dizer que o refrão é também bem chatinho. Pulei rápido pra próxima faixa.
“Todo Mundo Menos Você” conta a triste história de quem muda para poder agradar ao outro. É o tal fazer a coisa certa, quando a gente até precisa mesmo mudar e melhorar, mas o faz pelos motivos errados. Pessoalmente, já passei por isso e o resultado emocional é desastroso. Única faixa do EP que é composição das Patroas, o peso e a força necessários na letra e nos vocais estão todos lá. Eu tenho apreço especial por interpretações vocais fortes e essa canção não me desapontou em nada.
Marília é um talento vocal nato e uma excelente contadora de histórias com a potente voz grave que tem. Não é uma voz cheia de melismas e técnica, mas é marcante, poderosa e sempre entrega tudo o que precisa. Ela é quem abre as canções, o que me parece uma escolha bastante acertada. Quando chegam no refrão e entram as gêmeas Maiara e Maraisa dando apenas algum peso ao vocal de Marília, tudo casa perfeitamente e a harmonia vocal é uma lindeza de se ouvir. Aplausos adicionais para a segunda voz de Maraisa, que em alguns momentos faz até a terceira voz, o que é tecnicamente bem difícil.
Por mais que se trate de um trabalho gravado em formato de show ao vivo, e os vídeos de “Motel Afrodite” e “Todo Mundo Menos Você” mostram isso, as vozes foram trabalhadas em pós produção de modo a equilibrá-las de maneira impecável. Até mesmo Maiara, que pra mim, muitas vezes exagera muito nas apresentações ao vivo, acertou em cheio na interpretação desta vez.
Por falar nos clipes que foram lançados com as faixas e estão disponíveis nos canais do YouTube de Marília Mendonça e de Maiara e Maraisa, a produção visual de vídeo tem a marca estética do Catatau, da Unic Filmes, que há anos trabalha com os artistas da Workshow e assina também os DVDs de Henrique e Juliano. Até o figurino das três cantoras foi escolhido a dedo para refletir a elegância da sofrência contida. Marília, diga-se, está lindíssima com os cabelos presos e um belo par de óculos emoldurando o rosto.
As capas dos singles desse novo EP das Patroas, embora super conceituais, nada têm a ver com a identidade visual dos clipes, o que me incomodou um pouquinho, mas é fato irrelevante diante da qualidade do trabalho. E as ações de divulgação seguem pesadíssimas e cada vez mais irreverentes, como a maior parte dos artistas tem feito. Alguns, eu acho, exageram na mão e quase resvalam para o mau gosto, mas até nisso as Patroas conseguem acertar em cheio. Parabéns pra elas!
Sobre Dyala Assef: Escritora e colunista do Movimento Country, professora universitária, cantora amadora nas horas vagas e amante de todos os tipos de boa música.