Juliette teve a 2ª maior estreia no Spotify Brasil com um EP muito bem feito, mas que não traz nem novidades e nem emoção
Mantendo a tradição de contabilizar números impressionantes, a exemplo de seus mais de 32 milhões de seguidores somente no Instagram, Juliette Freire lançou, recentemente, seu EP de estreia como cantora e logo os números de streamings começaram a subir sem parar, conferindo à moça atuais 3 milhões de ouvintes mensais somente no Spotify.
Tudo o que se refere a Juliette tem contornos impressionantes e muitos apelos emocionais para contar uma história moderna da heroína brasileira. A moça de origem simples, nordestina, que enfrentou dificuldades e enormes perdas na vida, mas que deu a volta por cima e não apenas venceu o Big Brother Brasil, mas saiu do confinamento aclamada como um dos maiores fenômenos de popularidade da história da era da internet.
Quando se aventurava a cantar ainda no BBB 21, Juliette já demonstrava talento e afinação que muito cantor que se diz profissional não tem. Nas festas do reality, não foram poucos os momentos em que a paraibana botou artistas conhecidos no chinelo, o que fez com que sertanejos já declarassem interesse em fazer uma parceria com ela. Aliás, muito antes de Juliette pisar fora dos limites da casa mais vigiada do Brasil, já era um “produto” muito cobiçado e aqui fora já havia bandos de abutres prontos para tentar se beneficiar do sucesso meteórico da moça.
Ao sair como vencedora do programa, Juliette tinha o mundo a seus pés. Poderia fazer qualquer coisa que quisesse, vender qualquer produto, fazer filme, gravar disco, ou até mesmo não fazer nada. Os cactos, sua base de fãs enlouquecidamente fieis, a apoiaria em qualquer decisão. Todavia, foi neste momento que a Juliette diplomática, inteligente, carismática e espontânea começou a ser moldada em alguém com movimentos calculados e falas muito assessoradas. E é justamente aí que começa o problema.
Antes mesmo de anunciar que lançaria um EP, Juliette participou de algumas lives de artistas de peso da música brasileira, como Elba Ramalho, Gilberto Gil e, para entusiastas da música menos erudita, Wesley Safadão. Juliette se espelha em Elba, mas para mim lembra muito mais a Amelinha (enorme sucesso nos anos 80), tanto na aparência quanto no timbre da voz. O nervosismo que demonstrou em algumas lives já anunciava o óbvio, e o que a própria Juliette afirmou algumas vezes: ela é uma artista em construção. Potencial tem muito, mas falta a liberdade e a maturidade que somente o tempo e a experiência podem trazer.
Juliette se lançar como cantora profissional poucos meses depois de sair do reality show pode parecer um pouco precipitado, mas por trás dela há uma equipe de peso e o apadrinhamento de ninguém menos do que a poderosa Anitta, que faz músicas ruins, mas tem um aguçado tino para negócios e é genial em termos de gerenciamento de carreira. Há que se ressaltar que o projeto do EP foi todo pensado enquanto Juliette ainda estava em confinamento e isso diz muito sobre o resultado final do trabalho.
Trata-se de um EP muito bem produzido, redondinho, instrumentos no lugar, voz afinada, está tudo lá. Mas o fato de Juliette não ter se envolvido no processo de criação do projeto desde o início faz dela apenas a voz colocada em estúdio que chega depois que todo o resto já está pronto. Não se envolve, não cria, reproduz o que o time de profissionais diz que funciona. E por isso não emociona, não anima e nem desagrada. Não é ruim, mas não é bom. É mediano. Exceto para os cactos fieis, rapidamente será esquecido. Será trilha sonora perfeita para música ambiente dos badalados restaurantes regionais de São Paulo, por exemplo.
A voz de Juliette é doce, tranquila, e em alguns momentos me soa até tranquila demais. Nos pontos mais altos das músicas, os breves agudos dão à voz dela um pouco mais de brilho, o que fez falta no trabalho quase inteiro. Tem aí nesse meio o susto daquele monte de equipamentos de um estúdio profissional, tem a inexperiência, tem a maquiagem muito rebocada de pós produção e efeitos de voz. Ficou morno, e acho que Juliette não é morna.
As letras, no geral, são bonitinhas. Comecei a ouvir por “Bença”, com uma batida gostosinha e ares autobiográficos. Há alguns clichês incômodos, como em “Diferença Mara” (“nunca foi sorte, sempre foi Deus”) ou umas rimas meio tolas, como aquela que relaciona “cara, rara e mara”. As músicas se parecem demais entre si e tem uma sanfona insistente em praticamente 100% de todas as faixas. Esse foi o clichê mais incômodo de todos e que me fez questionar para quem a paraibana fez esse EP e o que esperar da Juliette cantora daqui pra frente.
Se assumirmos que esse EP foi desenhado especialmente para agradar aos os cactos, está perfeito! Se foi gravado para a própria Juliette testar como seria a experiência de colocar seu talento musical nato diante de uma aposta mais profissional, ela deve estar satisfeita. Mas se a ideia tenha sido aproveitar o boom do BBB e posicionar Juliette em um competitivo mercado para que venha a se consolidar como cantora e construir uma carreira longa e próspera, acho que o tiro passou longe do alvo.
Termino esse texto, sinceramente, sem saber o que esperar de Juliette como cantora daqui pra frente. Pode ser que ela nunca mais lance nada e esse EP vire item de cacto colecionador. Pode ser que ela siga com essa produção certinha e linear, que funciona mas não emociona, e daqui a um tempo lance outro EP sem graça. Ou, ainda, quem sabe ela mande esse povo todo às favas e escolha se cercar de gente competente mas que dá a ela voz criativa e condições para voltar a ser arretada. Eu torço muito pela terceira opção, pois só assim Juliette tem alguma chance de se tornar relevante como cantora.
Sobre Dyala Assef: Escritora e colunista do Movimento Country, professora universitária, cantora amadora nas horas vagas e amante de todos os tipos de boa música.